Jean Renoir: A Besta Humana (La Bête Humaine, 1938)
Muitos do filmes com Jean Gabin do final dos anos 30 são taxados de pré-noir, mais uma vez foram os franceses que jogaram a isca para o surgimento de um dos mais admiráveis gêneros do cinema americano, todos os caras durões que se fodem por causa de mulher nos anos 40/50 são considerados filhos de Gabin, inclusive Bogart é seu herdeiro mais consanguineo. Apesar de A Besta Humana começar como um pré-noir, na segunda metade do filme o realismo poético de Renoir joga para escanteio qualquer ilusão do que seria um filme noir e se rende quase que por completo à linha de pensamento de Emile Zola.
Gabin é um ator intenso e talvez o melhor do cinema francês, toda essa intensidade foi o mecanismo propulsor em dar vasão ao naturalismo de A Besta Humana, onde nada é mais importante que as funções fisiológicas do ser humano e tudo é governado pelo corpo.
A vida das personagens é intrinsecamente ligada a trens e ferrovias, seja de forma literal ou metafórica e Renoir deixa isso muito mais visível do que Lang, pois os trens de Renoir são desgorvenados e os de Lang sabem muito bem onde estão indo, o que deixa tudo menos impactante.
Fritz Lang: Desejo Humano (Human Desire, 1954)
O filme de Lang não é um remake, é uma versão distinta para o mesmo livro de Emile Zola e me pergunto como levou tanto tempo para que o transformassem em um filme noir, do romance naturalista requintado para o pulp era um pulo, pois o esqueleto se faz o mesmo: thriller psicológico e passional.
Tudo que tinha de insano e fluídico no filme do Renoir tem de razão e cérebro no filme do Lang, com excessão da personagem de Broderick “Tony Soprano” Crawford que é puro impulso, contrastando com Glenn Ford e Gloria Grahame que sabem muito bem o que fazer, quando e onde. Enquanto Simone Simon no filme de Renoir é o símbolo da inocência disfarçada e Gabin era geneticamente “maluco” como os naturalistas gostavam de pregar, Gloria Grahame tem um “Vaca” em letras garrafais escrito na testa e Glenn Ford um “Não caio nessa, sua puta”.
Uma década mais tarde em O Desprezo, Jean Luc Godard tomaria emprestado alguns elementos do filme de Lang, como se não bastasse os objetos capitaneadores da ação serem os mesmos, Godard colocou o próprio Fritz para participar do seu filme.
Mas quem ganhou afinal? Ninguém, oras. Gostei de ambos os pontos de vista, embora tenha uma quedinha pelo filme de Renoir por razões pessoais, mas tanto um quanto outro são obras aquém da capacidade de seus realizadores. Mas este ainda é só o primeiro round, o próximo será entre a adaptação de Renoir para A Cadela e a de Lang para Almas Perversas, ambos baseados no livro de Fouchardière. E sim, Lang realmente perseguia o Renoir.
Nota: Aproveitando a deixa, vai a dica da versão erótica em quadrinhos de La Bête Humaine desenhada por Hugdebert, que adora transpôr clássicos da literatura francesa para além do que é meramente implícito nos romances originais.
Pelas descrições eu me interessei mais pelo filme do Lang, mas o bacana seria ver os dois mesmo. E não sei como ainda não me afoguei de vez nos expressionistas, várias coisas lá que eu sempre deixo pra depois.
E O Desprezo deve ser o que mais gostei do Godard, esse é realmente foda.
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Não sei, acho que fiquei meio decepcionada com o Desejo Humano porque no ano anterior Lang tinha feito Os Corruptos com os mesmos Ford e Grahame e aquele filme é uma obra prima sem tamanho, influenciou de O Poderoso Chefão à Point Blank e tem um elenco com atuações de fazer chorar, Desejo Humano meio que foi um balde de água fria, mas ainda é um ótimo filme.
O que me fez pensar no lance de O Desprezo foi uma cena em específico, onde no início vê-se que Grahame realmente tem carinho pelo Broderick, mas no momento em que ele quer usa-la para pedir um favor para um outro cara, o olhar dela muda completamente e é nesse momento que tudo acaba, é aí que começa a desprezá-lo, lembrei imediatamente da Bardot encontrando o Piccoli naquele jardim de O Desprezo.
Por falar em O Desprezo, já passou da hora de revê-lo, é um dos que mais gostei do Godard, mas tem uns tantos outros na frente dele, mas quem sabe se o assistir num dia em que estiver de bom humor…
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Só vim aqui dizer que, se não fosse a sua nota no Criticker, eu nunca saberia que o nome em inglês do filme da Xuxa é Super Xuxa Versus Satan!
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KKKKKKKKK Disso eu também não sabia! São essas coisas que tornam a vida mais divertida.
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