Jean Renoir: A Cadela (La Chienne, 1931)E tem início o realismo poético de Renoir na forma que o fez famoso. Ninguém é legal, ninguém é bonzinho, ninguém tem o caráter livre de falhas em A Cadela, mesmo os personagens de boa índole em um momento ou outro se tornarão filhos da puta. Numa visão geral as personagens de Renoir são infinitamente mais perversas do que as de Lang, ainda que envolvidas numa película de ingenuidade, tornando-as mais complexas.
E libelo comunista my ass, como vêem-se muitos dizendo por aí a respeito deste filme. É claro que há a habitual crítica à sociedade bourgeois que privilegia as aparências e a lei capitalista do “cão come cão”, mas isso não o faz um filme “comunista”, o que vi foi um libelo anarquista com um dos mais belos finais já visualizados, aplicando que a felicidade está no despir das convenções.
Fritz Lang: Almas Perversas (Scarlet Street, 1945)
Se La Chienne é um libelo ideológico, Scarlet Street é um libelo estético, eviscerado principalmente pela homenagem ao expressionismo feita atráves dos quadros pintados pelo personagem principal. Isso explica certa construção quase que maniqueísta das personagens refletidas na visão simplória que o personagem principal de Edward G. Robinson tem do mundo. Dizendo claramente: o filme do Lang é moralista demais para o meu gosto.
Lang também volta a dar vazão à sua obsessão pelo mito de Odisseu (também inserido em O Desprezo de Godard, que no fundo é uma grande obra de idolatria à Lang), onde o marido desaparecido de nome Homer retorna com seu tapa-olho para a sua indesejável esposa.
O problema de Scarlet Street vem dos censores, enquanto o relacionamento no filme de Renoir é abertamente entre cafetão e prostituta, Lang teve que fazer de um tudo para esconder esse fato e ao mesmo tempo mostrá-lo sem ser óbvio. É doloroso trabalhar sob tais circunstâncias, mas foi nos tempos do infame código Hayes que os grandes diretores se sobressaiam, a luta consistia em dizer tudo sem mostrar nada. Enquanto que na França sempre houve liberdade, então eles acabaram por lutar contra a forma, o que culminaria na nouvelle vague, pois o maldito ser humano está sempre lutando contra alguma coisa, nem que precise ser inventado, nem que seja um moinho de vento.
Quem ganhou? Embora me custe dizer isso, Renoir ganhou. O filme de Renoir é mais libertário e aplica um grande “foda-se” a tudo e a todos, o filme de Lang soa mais como uma penúria e castigo o fator mendicância com a punitiva aura da loucura, enquanto que em Renoir é o alívio e liberdade. Mas isso não exclui o fato do filme de Lang ser um dos seus melhores e um dos mais irretocáveis noir já produzidos, além de ser uma preferência meramente ideológica, pois tecnicamente Fritz ganha.
“pois o maldito ser humano está sempre lutando contra alguma coisa, nem que precise ser inventado, nem que seja um moinho de vento.”
Aproveitando a frase pra responder sobre a foto lá, aquilo é uma estação abandonada onde o cara vai lutar contra um trem.
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dri, eu não vi o filme, mas veja bem, o cartaz sozinho é claramente uma apologia ao comunismo, primeiro o fundo vermelhão, segundo a guilhotina que faz uma alusão explícita à foice!!! hahahahaha.
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Ah! esqueci de mencionar a figura de mulher evocativa à senhorita da liberdade, igualdade e fraterdidade; e esse óculos? só um homem de extrema esquerda usaria óculos assim… hehehe.
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Luana, acho que o cartaz deixa isso bem claro, mas é sabido que quem encomenda os cartazes são as distribuidoras que querem vender o seu peixe como bem entendem, tanto é que os cartazes daquela época eram completamente diferentes de um país para o outro e se apoiavam no que venderia mais, no Brasil, por exemplo jamais passaria um filme com tal cartaz em plenos tempos de Getúlio, já na França em tempos de formação dos Sartres da vida… É a cena final do filme quase que chapliniana (ou claireana?) que mostra algo excessivamente libertário que vai além do que foi mostrado durante o filme que poderia ser visto com certa ambiguidade… Mesmo os críticos profissionais têm uma certa divergência de qual panfleto Renoir está distribuindo no início de carreira, mas é aquela coisa de sempre, cada um vê uma coisa e boa.
Ah, quanto aos óculos, muitos almofadinhas aristocráticos britânicos do início do século XX usavam óculos assim… hehehe
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