Juan Antonio Bardem faz parte dos três grandes Bs anti-franquismo do cinema Espanhol, muito bem acompanhado por Luis Buñuel e Luis García Berlanga, sendo Calle Mayor um dos seus maiores atentados contra a ditadura de Francisco Franco.
Em meados dos anos 50 o poder do Generalíssimo estava no auge, a ONU e os EUA beijavam seus pés e a mentalidade do povo espanhol estava mais estagnada que nunca, enquanto tudo isso refletia na obra cinematográfica de Bardem. Recém-aclamado por sua obra prima anterior, o não menos político A Morte de Um Ciclista, Bardem se viu nos meandros do simbolismo rebuscado para que suas obras passassem de forma não tão implacável pela censura e assim deu-se a saga da solteirona interiorana com ilusões adolescentes sobre o amor que é temerariamente alvo de um bando de desocupados machistas e provincianos que muito lembram Os Boas Vidas de Fellini. Aliás, muita da influência do cinema de Bardem vem diretamente da Itália, mais especificamente do Neo-Realismo e não por acaso Bardem é comumente credenciado como neo-realista espanhol.
Betsy Blair é o filme, apesar de dublada para interpretar nossa heroína Isabel, nada tira de sua expressividade facial a luminosa atriz que era, mas infelizmente a então esposa de Gene Kely fez pouquíssimos filmes durante sua vida que ainda perdura. Bardem encontrou em sua atriz principal não apenas a interpretação perfeita, mas também um colega de armas, da mesma forma que Bardem era perseguido por Franco, Blair entrou para a lista negra do macarthismo, dando uma dimensão política ainda maior a esta pequena obra prima.
O conteúdo político está no desenrolar das emoções das personagens, detalhes humanistas com que Bardem lidava tão bem, como a grande culpa de Juan, o homem que ilude a inocente Isabel com falsas juras de amor e não consegue se livrar da pressão social para ser canalha, num claro exemplo de covardia por fazer parte de um sistema a qual não concorda e também não consegue lutar contra. Com exemplos de infantilidade de quem nunca teve que enfrentar seus próprios problemas, suas próprias contradições e precisa buscar uma diversão imatura nos outros, na turma de homens bebezões dá-se o vislumbre do regime franquista e sua população evasiva. Juan é um covarde que se deixa levar pelo ambiente e mentalidade tacanha de seus colegas, mesmo discordando de suas atitudes. Mas Isabel tem a chave para fugir, fugir daquelas crianças supostamente adultas, embora ela resolva ficar e lutar, tornando-se agora uma mulher madura.
Nota 1: Dessas curiosidades nem sempre inúteis, Betsy Blair interpretou a personagem de Julianne Moore idosa em As Horas, mas posteriormente por falta de identificação física entre Moore e Blair, Moore refilmou as cenas com maquiagem. Uma pena, seria mais uma das mais expressivas atrizes a fazer coro com um elenco já sensacional e não duvido que a escolha de Blair para tal papel tenha ligação direta com sua Isabel de Calle Mayor, tanto Laura quanto Isabel são personagens inversamente proporcionais em seus desejos e idênticas em seus sofrimentos.
Nota 2: Esse pôster que acompanha a postagem é um dos mais perfeitos em que coloquei os olhos, o filme todo está nele, sem subterfúgios, sem ambigüidades, sem máscaras. A rua, a chuva, Isabel sozinha e, especialmente, a grande luminária que por muitas vezes iluminará inutilmente seu rosto. Poster simplesmente perfeito.
Nota 3: Bardem foi preso durante as filmagens de Calle Mayor, conseguiu sair e mudou muitas coisas no filme, inclusive a cidade de locação principal.
Nota 4: Sim, sim, tio Juan é irmão de Pilar, filho de Rafael e Matilde, tio de Mónica, Carlos e Javier. O meu Javier.
Nossa cara, fiquei muito interessado em ver, esses dias assisti a dois do Buñuel, graças as maravilhas do download, espero que consiga achar esse aí pelos blogs da vida também. E o cartaz é realmente lindo, só não vou dizer que dá uma saudade pq provavelmente nunca vi um desse estilo pessoalmente!
abraço
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Esse vale a pena é um filme belíssimo, muito dos filmes de Bardem valem muito a pena e é possível achar a grande maioria deles para download. Aliás, por falar em Buñuel, o Viridiana do Buñuel foi produzido pelo Bardem.
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