Aventuras de Picasso (Picassos Äventyr, 1978)

The Adventures of Picasso - 1978

Arte é uma mentira que nos faz perceber a verdade.

De vez em quando nos deparamos com filmes que são cultuados, mas nem tanto quanto deveriam, pior, são verdadeiras obras primas. Picassos Äventyr é um desses casos. Imagine um filme sueco que é uma biografia de Pablo Picasso feita como se fosse um Dom Quixote filmado pelo Monty Python, essa é a visualização que mais poderia descrever exatamente o que se passa neste pedaço de arte conduzido pelo literato Tage Danielsson.
A comédia sueca não é algo muito popular para o resto do mundo, mas Tage Danielsson era um dos grandes, fica claro que além de dramaturgo e poeta,adventures of picasso Danielsson transcreveu a literatura para seu cinema, sobretudo a literatura picaresca que lhe empresta todo o sentido narrativo e delineador das personagens.
Como de costume, Danielssen divide os méritos com seu fiel escudeiro Hans Alfredson para contar a saga de nosso herói único, talvez o maior dos pícaros do século XX, entremeando fatos históricos que muito bem resumem toda a primeira metade do século que elevou Pablito não apenas à categoria de gênio artístico, como também de personalidade fascinante e ícone popular. Estão lá os “verdadeiros” motivos do início da Segunda Guerra Mundial, o fato da Lei Seca americana se resumir à secura dos pincéis, a tranformação da beleza e da arte em produção capitalista inclusive o uso de seu famoso símbolo da paz que também dá nome a sua filha Paloma. Tudo devidamente acompanhado por suas fases artísticas de alguma maneira representadas visualmente em maior ou menor grau, às vezes até imperceptivelmente, lembrando muito a postura que Todd Haynes adotou para biografar Bob Dylan em seu último filme.
Impressiona como Gösta Ekman ficou parecido com o verdadeiro Picasso, ele o interpreta da juventude até o envelhecer, poderia dizer desde os tempos em que usava calça curta, mas como Picasso usou calça curta por toda a vida, fica meio difícil quando se faz a transição da adolescência para a vida adulta no filme. Ekman já havia trabalhado com o duo Danielssen-Alfredson umas tantas vezes, inclusive interpretando Dante Alighieri, outras tantas com Ingmar Bergman como assitente de direção e ator, além de seu pai Hasse Ekman que fora o maior diretor sueco pré-Bergman. Este Gösta Ekman herdou o nome de seu avô, considerado a maior lenda do teatro na Suécia, mas é mais conhecido pelo mundo como o Fausto de Murnau.
Um monte de suecos que não falavam espanhol nem francês se comunicando monosilabicamente dá um tom ainda mais engraçado e até dois queridinhos de Richard Lester, Wilfrid Brambell e Bernard Cribbins, dão as caras por aqui como o casal Alice B. Toklas e Gertrude Stain – sei, tinham que ser dois britânicos vestidos de mulher para ter graça, mas pode acreditar, esta é uma das melhores e mais hilariantes comédias já produzidas. E sim, é uma obra prima.

adventures of picasso

Nota: Já que rolou o assunto Gösta Ekman avô, tem uma historinha bacaninha dele com o Fausto. Quando ele foi para a Alemanha filmar com Murnau acabou por adquirir o vício da cocaína, em virtude disso sua saúde foi se debilitando cada vez mais nos anos posteriores e terminou por morrer de pneumonia. E Mefisto ganhou a luta.

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Publicado por Adriana Scarpin

Bibliófila, ailurófila, cinéfila e anarcafeminista. Really. Podem me encontrar também aqui: https://linktr.ee/adrianascarpin

2 comentários em “Aventuras de Picasso (Picassos Äventyr, 1978)

  1. Esses posts com mares de informação são os melhores de todos. Quase aluguei o filme sobre o Dylan essa semana, mas acabei vendo uns que tinha comprado (aliás, VEJA FIRST PERSON DO ERROL MORRIS, URGENTE – o Herzog apostou que ele não conseguiria terminar o documentário sobre cemitério de animais de estimação, perdeu a aposta e o resultado é aquele vídeo dele comendo o sapato; Thin Blue Line deve ser o único documentário a tirar alguém do corredor da morte, e ainda por cima é quase um noir!; enfim, veja tudo do cara), agora fiquei com vontade de ver esse também. Nem aquele do Clouzot eu vi ainda.
    Mas quem deveria ter feito um filme sobre o Picasso era o Fellini, puta merda, ia sair outro 8 1/2, no mínimo.

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  2. kkkk o Herzog comendo o sapato é demais, desde então quis assistir o do cemitério de animais mas tinha a forte tendência a achar que eu não estava preparada. Na verdade pouco assisti do Morris, mas o que vi gostei.
    Antes de assistir esse filme sueco, se fosse para pensar quem deveria ter feito filme sobre Pablito talvez eu citasse imediatamente Fellini e Orson Welles (acho que por causa do F for Fake), mas depois vi esssa Aventuras e achei-o perfeito. Aquele lance de ter me lembrado o filme do Haynes só diz respeito a certo tipo de referência visual presente em ambos, porque se for para comparar, As Aventuras de Picasso tem muito mais a ver com A Vida de Brian do que qualquer outra coisa, sendo que filme sueco foi feito antes do filme dos Pythons.

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