Delírio de Amor (Ken Russell’s Tchaikovsky and The Music Lovers, 1970)

Odeio a sociedade e não conheço nada nela que não me aborreça. Só a música de Tchaikovsky me lembra de que a vida pode ser bela e ter algum significado.

É a biografia de um compositor, é Ken Russell, tem momento beirando a lisergia mas não é Lizstomania, aqui não há nenhum integrante do Who com pênis gigante e nem algum Beatle de tapa-olho que seja Papa.
Na definição do do próprio Russell: “É a história do casamento entre um homossexual e uma ninfomaníaca”, mas tal explicação é simples demais para o que é realmente mostrado, todos os complexos enlaces sexuais que unem as personagens incluindo tensão platônica, repulsão e hipersexualismo.
Tchaikovsky é interpretado pela beee que resolveu se assumir no fim da vida, Richard Chamberlain, fica a desconfiança que Russell queria a todo custo tirar Chamberlain do armário, pois certos diálogos e detalhes da vida de Tchaikovsky são coincidentemente gritantes na semelhança com a vida do enclausurado galã Chamberlain. Mas falemos do que realmente importa: Glenda Jackson. Glenda foi uma das maiores atrizes, senão a maior, em atividade entre os anos 60 e 70, tudo que ela fazia era transformado em ouro, seja drama ou comédia, a mulher era madura, linda e classuda para somar ao enorme talento, nessa sua volta ao cinema de Russell pós DH Lawrence não é diferente, interpretando a esposa de Pyotr com sérios distúrbios psicológicos, ela vai do frágil ao insano tão rápido quanto o teor sexualmente instável da sua personagem.
O ritmo do filme segue o da obra do compositor, é possível dizer que todo o filme foi construído a partir da música de Tchaikovsky, o desenrolar e falas do roteiro, a atuação dos atores, o modo que a câmera se enquadra e movimenta, a montagem, tudo converge para o que se está ouvindo e não a música convergindo para o que se está vendo como é mais habitual ao cinema. Há sequências que me ganharam particularmente como os momentos de delírio idílico que a música do compositor causa nas personagens, é uma fração de segundo dentro na mente da personagem mas que é dilatado aos olhos do público através das sensações projetadas pela música.
Não só pode como deve ser incluso entre as obras primas de Russell, talvez até a maior delas, é sexo, vísceras, insanidade e música, é na intensidade desses elementos que reside sua grandiosidade estética e psicológica, é um filme de culhões e também de útero.

Nota: O desgraçado do Russell também fez uma biografia sobre Mahler, mas este ainda não vi.

Publicado por Adriana Scarpin

Bibliófila, ailurófila, cinéfila e anarcafeminista. Really. Podem me encontrar também aqui: https://linktr.ee/adrianascarpin

4 comentários em “Delírio de Amor (Ken Russell’s Tchaikovsky and The Music Lovers, 1970)

  1. Você viu Marat/Sade do Peter Brook? Tem a Glenda Jackson destruindo, e o Patrick Magee de Sade! Nem preciso dizer quem viu esse filme pra escolher o alvo dos chutes ao som de Singing in the Rain. Esse filme é insano (claro, se passa num manicômio), e as músicas são geniais.

    Do Ken Russell só vi Gothic, mas achei bem fraco.

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  2. Lucas, Eu vi! Eu vi! É fodão, na verdade é o único filme que chegou perto da filosofia de Sade em essência (é, também tive uma fase de obsessão sadeana, diria até que ele foi muito importante para minha formação (a)moral, especialmente na proporção indivíduo-sociedade, até hoje não posso compreender como ainda há tanta gente que trata a individualidade de cada um como se fizesse parte de uma massa homogênea, ou seja, aprendi respeito com Sade por mais que isso possa parecer contraditório aos olhos da superfície da sua obra) e foi basicamente a estréia da Jackson no cinema que até então, dela e do Ian Richardson que eram atores teatrais, os dois mais o Magee foram os atores originais da primeira montagem da peça no teatro.
    A Jackson é um escândalo, não tem Bette davis ou Cate Blanchett que desbanque a Elizabeth I dela e fez uns 5 ou 6 filmes com o Russell, não vi Gothic mas a carreira dele acabou mesmo nos anos 70, embora eu goste bastante de Crimes de Paixão e das adaptações dos livros do DH Lawrence por quem ele era certamente obcecado (muito bom gosto, diga-se), ele meio que mudou de estilo a partir dos anos 80, até o Viagens Alucinantes que goza de certo prestígio me decepcionou deveras,não tinha mais aquelas coisas realmente malucas e cheias de criatividade dos anos 70. Ah, ele fez um filme do Harry Palmer antes de entrar nessa fase glam-lisergia de que gosto deveras também.

    Fred, KKKKKKKK eu já disse hoje que amo este homem? Eu sabia que ele era do balocobaco, mas não imaginava que chegasse a tanto. Se bem que minha desconfiança ímpia pode matutar que isso é meramente marketing, nem naquele lance do Christian Bale e a família acreditei.

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