Cem anos de James Mason – Parte 2

13- O Outro Homem (The Man Between, Carol Reed, 1953)The Man Between (1953) - James Mason & Claire BloomI can warm your feet for you. It’s a pity you can’t do anything about my heart. Mais um dos inesquecíveis tipos da galeria “sou canalha, mas sou legal” de Mr Mason. Tão bom quanto Odd Man Out e The Third Man, pode-se dizer que é o encerramento da trilogia sagrada de Carol Reed sobre a perda da inocência do homem adulto e a morte de seus ideais. Indispensável para quem gosta de thrillers eletrizantes, se passa na Alemanha pós-guerra e pré-muro, servindo-se de ação e tensão ininterruptas a partir da metade final, sempre marcado pelo estilo fotográfico do Reed e muito influenciado por Welles. E ainda descobrimos que Mason patina lindamente, mas afinal, o que ele fazia que não fosse lindamente?

14- Na Teia do Destino (The Reckless Moment, Max Ophüls, 1949)The Reckless Moment - Joan Bennett & James MasonYou have your family, I have my Nagel. Nesse segundo filme com Ophuls, Mason interpreta um canallha legal como ninguém mais sabia interpretar. Mason tinha esse dom dificílimo de se transformar do canalha mais repugnante ao ser humano mais apaixonante e vice-versa em pouco mais de uma hora de filme, era um desses atores que tinham esse domínio absurdo na manipulação do espectador. É bem estranho um filme desses estar numa décima quarta colocação, mas que culpa tenho eu se Mason era prolífico em demasia não apenas com filmes medianos, mas também em grandes obras?

A shot that does not call for tracks
Is agony for poor old Max,
Who, separated from his dolly,
Is wrapped in deepest melancholy.
Once, when they took away his crane,
I thought he’d never smile again.

– Ophuls por Mason

15- A Gaivota (The Sea Gull, Sidney Lumet, 1968)Seagull - Simone Signoret, James Mason, Vanessa Redgrave e David WarnerEstranhamente A Gaivota de Chekhov foi pouco adaptada para as telas na língua inglesa e mesmo sendo esta a transposição mais famosa, ainda é fulgorosamente desprezada. Trigorin obviamente é a parte de Mr Mason, mais uma vez dividindo cena com um membro da família Redgrave, Vanessa, onde impera absoluto um elenco que vai além de qualquer texto ou cineasta, complementado por Simone Signoret, Harry Andrews, Denholm Elliott, Eileen Herlie e David Warner. Tá bom, o texto ajuda esse povo bom a se encontrar e Lumet volta aos filmes teatrais num clima parecido com o que já fizera no excelente Longa Jornada Noite Adentro.

16- The London Nobody Knows (Norman Cohen, 1967)London Nobody KnowsEsse é um achado sensacional. Um documentário onde Mr Mason nos guia por todos os buracos londrinos dos anos 60, não é simplesmente narrado por ele e sim guiado de corpo e alma, Mason visita cada local e conversa com as pessoas, tornando este um dos mais interessantes documentos de uma cidade e época. Ainda passa pelo local de assassinato de Annie Chapman e que hoje virou uma garagem, mal sabia ele que pouco mais de dez anos depois voltaria às telas na pele de Watson para investigar aquele mesmo assassinato.

17- Los Pianos Mecánicos (Juan Antonio Bardem, 1965)Los pianos mecánicos (1965) James Mason, Didier HaudepinTiene que beber para escapar a la muerte. Mr Mason não trabalhou apenas com o tio do Ollie, ele também trabalhou com o tio do Javier. Tudo gira em torno das relações de habitantes de um hedonista vilarejo espanhol à beira mar, um refúgio de artistas e pessoas intensas e passionais, das quais Mason se insere magnificamente como um escritor alcóolatra rodeado de mulheres bem mais jovens e, como de costume, possuidor das melhores falas. O curioso é que se qualquer outro cineasta que não seja espanhol se aventurar a mostrar um ambiente libertário e passional dentro da Espanha, prontamente será acusado de estereotipar o país (Woody Allen, alguém?), mas se quem o faz é um cineasta espanhol tudo fica na boa, mesmo com um elenco internacional mesclando ingleses, gregos, alemães, japoneses, italianos e franceses. Como se não existissem pessoas hedonistas e passionais em qualquer lugar do mundo, como se fosse correto apenas transformar a Finlândia num país com seres de emoções intensas, acho que está mais do que na hora de parar com a palhaçada e assumir que países latinos formam emoções intensas como qualquer outro povo do mundo e isso nada tem de estereótipo.

18- O Farol das Ilusões (Thunder Rock, Roy Boulting, 1942)Thunder Rock - Michael Redgrave & James MasonEm seu seu primeiro trabalho mais profundo, Mason deu início à sina de contracenar com o clã Redgrave e a oportunidade de trabalhar sobre a batuta do amplamente subestimado Roy Boulting (que ao lado de seu irmão John formavam uma dinâmica estilo Coen brothers), um dos mais interessantes cineastas da golden age britânica. Neste filme abertamente anti-fascismo, Mason mais uma vez aparece como personagem chave sendo incumbido de ser o vínculo com a realidade da persona vivida por Sir Michael. É um filme complexo que permite várias interpretações, seja no contexto da segunda guerra mundial ou seja no psicológico, chega a ser difícil escolher o tipo de leitura que queremos fazer tamanha a quantidade de minúcias simbólicas espalhadas em cada pedacinho de imagem e palavra, o que nos faz lembrar que filmes políticos não são necessariamente isentos de poesia.

19- Viagem ao Centro da Terra (Journey to the Center of the Earth, Henry Levin, 1959)James Mason, Arlene Dahl, Pat Boone - Journey to the Center of the Earth (1959)Since the beginning of time all women have heard footsteps up there. Pronto, agora sim de volta aos bons tempos em que se fazia lava de vulcão com molho de tomate. Mason retorna ao mundo de Julio Verne, é a vez de encarnar o Professor Lidenbrock, um escocês maluco à la Indiana Jones, aliás, ele é o verdadeiro pai de Dr Jones e não o Sean Connery. A inspiração é gritante, tanto nos aspectos da personalidade de Sir Lidenbrock (o modo de tratar as mulheres e de dormir com o chapéu na cara levantando lentamente até que apareçam os olhos, o mesmo tipo de piadinhas, o fascínio e obssessão diante de descobertas históricas, mitológicas e científicas) quanto as óbvias referências visuais presentes em Caçadores da Arca Perdida (a pedra gigante rolando, o reflexo do sol marcando o local e até a trilha sonora de John Williams remetendo à portentosidade de Bernard Herrmann). O único problema do filme é quando o Pat Boone começa a cantar, por que o Conde comeu a Gertrude e não o Boone? Por que meu deus? POR QUÊ???

20- Georgy, A Feiticeira (Georgy Girl, Silvio Narizzano, 1966)Georgy Girl - Lynn Redgrave & James MasonNessa espécie de O Casamento de Muriel dos anos 60, Mason está ótimo como usual (tanto quanto Alan Bates e Lynn Redgrave) e encarna mais uma vez a sua persona de “dirty old man”, definição que não lhe faz muito juz, muito pelo contrário, em Georgy Girl ele está particularmente apaixonado e sensível. O que posso dizer? Esse exemplo nato do british new wave é uma fofura e tentou entrar na onda do que Richard Lester vinha fazendo pelo cinema britânico naqueles idos. A única dúvida que possuo é: o que diabos esse subtítulo nacional tem a ver com o filme???

21- Gente de Respeito (Gente di rispetto, Luigi Zampa, 1975)Gente di Rispetto - James Mason & Jennifer O'NeillNeste thriller político Mason é o poderoso chefão de uma cidadezinha siciliana, não no sentido mafioso mas no sentido de manipulação, ou seja, um prato cheio para suas nuances interpretativas. Um filme bastante intrigante, muito ajudado pela trilha de Morricone que o ajuda a manter um clima ao estilo de Investigação de um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita.

22- Amor na Sombra (Fanny by Gaslight, Anthony Asquith, 1944)Fanny by Gaslight - Margaretta Scott, James MasonAnthony Asquith, o homem, o mito! Um dos baluartes da golden age inglesa e que por dessas coisas da vida é tio-avô de Helena Bonham Carter. Sim, ele também serviu ao Gainsborough Studios e seus melodramas, mas um melodrama de Asquith não é algo ordinário e sim um desenvolto estudo da era vitoriana, sua hipocrisia e seus conflitos de classes sociais e é exatamente nesse complexo desenho de uma era em que entra o vastamente deslumbrante personagem de James Mason, um lorde que oscila entre o que é aristocrata e o que é marginal, entre a elegância e a sargeta, uma espécie de mistura entre Oscar Wilde e Marquês de Sade. Resumindo, quem segura as pontas e toma o filme para si é mais uma vez Mr Mason, mesmo com o seu criminosamente pouco tempo em cena.

23- A Idade da Reflexão (Age of Consent, Michael Powell, 1969)Age of Consent (1969) - JAMES MASON & HELEN MIRRENSe Helen Mirren continua com seu sex appeal intocável na faixa dos 60 anos, ela teve um grande professor em sua estréia como protagonista nas telonas, Mason, então na mesma faixa dos 60, mostrou ainda ser capaz de causar muitos suspiros nesta cinebio sobre o pintor e escritor Norman Lindsay, além de apresentar-se barbado, coisa que muito lhe cai bem. É um filme que marca muitas coisas, a mais triste delas é o fato de ser o longa final da carreira do lendário Michael Powell, um dos mais memoráveis cineastas que a Grã-Bretanha produziu, também marca o fim da espera de mais de 20 anos do sonho de Powell trabalhar com Mason, quando o cineasta ficara desesperado para tê-lo em Sei Onde Fica o Paraíso (I Know Where I’m Going! 1945). Em Age of Consent a personagem de Mason quer o corpitcho de curvas perfeitas de Dame Mirren para pintá-lo, o que obviamente irrita a personagem de sua avó prozaica, xexelenta e mesquinha, aí entra a real intenção de Powell para com o filme, mostrar a visão enrugada de certas pessoas para com o sentido da nudez. Se há 40 anos esse embate nudez versus sexualidade versus arte rendiam tantos equívocos, a situação atual é para lá de desesperadora, hoje mais do que nunca a nudez é irremediavelmente associada à sexualidade, fazendo com que toda a sociedade pareça um adolescente adorador de Onã. Esse é um dos muitos aspectos que comprovam uma estagnar da mentalidade mundana quando já deveriamos tratar a nudez de forma natural há muito tempo, um não saber diferenciar o exaltar da beleza do corpo humano com os pruridos sexuais da rapaziada, acarretando um tipo de censura e puritanismo execrável. Veja o próprio caso de Dame Mirren, ainda um símbolo sexual aos sessenta e poucos anos, ela não causa suspiros nos jovens e nos velhos porque apareceu nua em diversos filmes, ela se mantém sex symbol porque transborda sensualidade em cada movimento, em cada olhar, além de sempre tratar sua própria nudez de forma natural.

24- The Upturned Glass (Lawrence Huntington, 1947)The Upturned Glass (1947)I’ve always resented the fact that one can’t choose which patients to kill.
Não é preciso ser perito para ver o porquê Hitchcok queria Mason no papel que fora de James Stewart em Rope, especialmente ao vê-lo neste filme do ano anterior onde Mason relata cientificamente os seus próprios atos como criminoso, dividindo cena com sua esposa Pamela (que também ficou a cargo da roteirização do filme) como sua “suposta” vítima, o problema é que todas as teorias da personagem de Mason vão pra cucuia quando passa da teoria para a prática. Não estranharia se alguém elaborasse algum tipo de tese sobre a criminalidade no cinema só utilizando as personas criadas por James Mason, há todo tipo de perfil psicológico e social, ele é perito em vilões e anti-heróis, mas Mason não se repete, todos eles são minuciosamente distintos uns dos outros.
Reza a lenda que originalmente o mestre de Rope deixaria claro que tivera um caso com um dos seus pupilos, mas isso foi descartado depois de comprovada a indisponibilidade de Mason para o papel, sabe como é, as mariquinhas de Hollywood não tinham culhões para interpretarem homossexuais, ao menos Farley Granger e John Dall conseguiram transformar Rope no filme mais queer do velho Hitch.

Publicado por Adriana Scarpin

Bibliófila, ailurófila, cinéfila e anarcafeminista. Really. Podem me encontrar também aqui: https://linktr.ee/adrianascarpin

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