Pelos Caminhos do Inferno (Wake in Fright/Outback, 1971)

Outback (1971)1971. É ano de Straw Dogs. É ano de Laranja Mecânica. É ano de Wake in Fright.
Gary Bond bebe. Conhece Rafferty. Bebe, Joga. Bebe. Perde todo o dinheiro. Bebe. Conhece Pleasence. Bebe. Precisa ganhar dinheiro para ir até Sidney. Bebe. Conhece Thomas e Kay. Bebe. Conhece os caçadores de cangurus. Bebe. Vai caçar cangurus. Bebe. Luta. Bebe. Passa uma noite indigesta com Pleasence. Bebe. Finalmente consegue sair de Yabba. Não, não consegue, ele volta.
Esse filme é obra prima demais. Demais. É o catalizador da australian new wave ao lado de Walkabout do Roeg. Antes dos anos 70 não havia um cinema essencialmente autraliano, as produções sempre foram inglesas e americanas, quando muito podiam contar com elenco e diretores australianos, mesmo Wake in Fright e Walkabout estão nas mãos de cineastas estrangeiros, mas ainda foram eles que moldaram esses novos rumos para o cinema de Oz e acabaram por entregar as rédeas nas mãos dos nativos. Wake in Fright não é apenas amplamente influente no cinema autraliano dos últimos 35 anos, como também Martin Scorsese é fã assumido, fato que podemos constatar facilmente em certas cenas de Depois de Horas e Casino. Oliver Stone também deve ser outro apreciador vide certas coisas de Assassinos por Natureza e Reviravolta. Também é um dos filmes favoritos de Nick Cave. Até a cultuada cena introdutória de Apocalipse Now foi roubada daqui, onde vemos a câmera enquadrando uma luminária, descendo até a face de Gary Bond ao acordar de hiper-ressaca olhando para o lado e só faltando dizer: “Yabba… shit. I’m still only in Yabba”.
Este é o filme da bebedeira sem fim, o cara começa bebendo na sexta, acorda e vai dormir bebendo no sábado e também no domingo. Tudo começa com a personagem de Gary Bond dando aula na puta que pariu (o que esperar de um lugar chamado Tiboonda?) do outback australiano sonhando o tempo todo em visitar namorada em Sidney, coisa que ele quase consegue realizar durante o feriado no qual a narração do filme se centra. Para ir até Sidney, Gary Bond precisa passar por um outro fim de mundo chamado Bundanyabba e por diversas razões ele não consegue sair desse buraco de jeito algum, não há escapatória.Wake in FrightNa roleta russa humana em que Yabba se transforma com a “hospitalidade hostil” de seus habitantes, vamos conhecendo personagens ainda mais marcantes tal como o bebedor e jogador vivido por Chips Rafferty (o “John Wayne australiano” em seu último filme), o bebedor e “doutor” personificado lindamente por Donald Pleasence, o bebedor Al Thomas e sua filha peculiar e ninfomaníaca vivida pela então esposa do diretor Sylvia Kay, além dos bebedores e caçadores Jack Thompson e Peter Whittle. É no meio dessa fauna que Gary Bond vai nos guiar para a maior concentração de álcool que já se viu numa tela, é uma coisa impressionante até para minhas experiências mais nefastas. As famosas cenas com os cangurus são muito barra pesada, indigestas e deprimentes, uma sensação de holocausto canguru, a versão que vi está cheia de cortes, o que me chamou a atenção é que o conteúdo sexual foi cortado, mas tudo relativo àquela selvageria com os cangurus está aparentemente intacto, o que nos atenta para a visão estranha de certas pessoas para com o sexo e a violência.
No início dos anos 60 Joseph Losey queria fazer a adaptação do livro de Kenneth Cook no qual Wake in Fright é baseado, com Dirk Bogarde no papel principal, mas vendo a visão de Kotcheff até agradecemos por o intento não ter ido em frente, especialmente porque esta versão está banhada com licores setentistas e em qualquer outra década esta não seria a obra prima que é.

Wake in Fright pode ser conferido no youtube e é esta a cópia que vi, embora recomende a espera pela versão uncut e restaurada que andou pipocando em Cannes e no Sydney Film Festival recentemente, além de ter re-estreado nos cinemas australianos na última semana. Há uns cortes bem evidentes nesta versão americana, onde está faltando uns bons 15 minutos, nada sutis, coisa de censor açougueiro mesmo. Vídeos do VodPod não estão mais disponíveis.

Publicado por Adriana Scarpin

Bibliófila, ailurófila, cinéfila e anarcafeminista. Really. Podem me encontrar também aqui: https://linktr.ee/adrianascarpin

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