Dentre as dezenas de filmes citados no documentário Not Quite Hollywood, eis alguns:
The Adventures of Barry McKenzie (Bruce Beresford, 1972)Esse eu conheci na época de minha obsessão extrema por Peter Cook, na bagagem ainda há Barry Humphries (Dame Edna é diva!), Spike Milligan e Dennis Price. O humor australiano é algo bem peculiar, eles chegam a ser piores que os canadenses e esse é o primeiro filme do Bruce Beresford, o que faz com que a gente fique meio assustado por tal homem ter feito coisas tão distintas como Conduzindo Miss Daisy. Mas acontece que este não é um exemplo total de humor australiano, embora o protagonista, roteiristas e diretor o sejam, isso é somado ao humor inglês (stupids pommy bastards!), é coisa de Barry Humphries deslocando sua criação dos quadrinhos para as telas, além do fato de Barry Crocker ser a versão australiana cuspida do John Cleese. Enfim, aqui fui apresentada a Dame Edna Everage e isso é experiência para uma vida. A citação deste filme no documentário se deve ao sucesso estrondoso de bilheteria em seu lançamento, catapultando e salvando a produção de cinema na Austrália.
The Stuntmen (Brian Trenchard-Smith, 1973)Primeiro filme do inglês Trenchard-Smith, até então ele só havia dirigido episódios televisivos para o Marty Feldman e aqui ele se infiltra no glorioso mundo dos dublês na forma de um média-metragem documental. É aqui também que vemos despontar um dos maiores ícones do cinema aussie dos anos 70 e 80: Grant Page. Dentre os momentos bacanas estão os “cavalos dublês” que fingem estar mortos junto aos seus companheiros dublês-humanos e o estudo a fundo de Trenchard-Smith colocando fogo no próprio braço.
Stone (Sandy Harbutt, 1974)Bikers on drugs, mas não se engane com o título que dá nome ao policial infiltrado que precisa descobrir quem anda assassinando nossos queridos motoqueiros. Este filme é um tratado de cenas legais, mas nada se compara aos créditos iniciais com um motoqueiro ligando sua moto e cada crédito tendo sua imagem congelada, para logo depois do crédito de direção o nosso motoqueiro focado ter a cabeça decapitada. Aquele Dr Death é uma mistura de Lon Chaney em London After Midnight com Zé do Caixão, Vincente Gil era uma cara cool, ele fora Nightrider no Mad Max, inclusive metade do elenco dos motoqueiros stoneanos acabou por dar as caras em Mad Max, com glórias ao Hugh Keays-Byrne.
O Homem de Hong Kong (The Man from Hong Kong, Brian Trenchard-Smith/Yu Wang, 1975)Sem sombra de dúvida, este é o meu Trenchard-Smith favorito. Rola umas cenas de luta sensacionais e é um desfile de ícones sem fim: Yu Wang, Hugh Keays-Byrne (dá para não amar esse cara?), Roger Ward, Bill Hunter, Sammo, George Lazenby bigodudo pegando fogo e o dublê mais foda de todos, Grant Page, num papel importante!
Embora o Tarantino não mencione nada no documentário, é bem evidente que a cena de luta entre o Grant Page e o Jimmy Yu Wang foi a inspiração-maior para certa luta de Kill Bill, sem mencionar o momento Crazy 88 ou o fato do apartamento do Lazenby ter o mesmo decorador da casa do Carradine, além do Volume I ter sido mesmo dedicado, entre outras pessoas, ao Trenchard-Smith.
Fantasm (Richard Franklin, 1976)Antony Ginnane é pai. Como foi dito no documentário, Ginnane é o Roger Corman das produções aussies, é o padrinho absoluto do ozploitation e aqui ele produz pela primeira vez um filme para um dos baluartes desse tipo de cinema: Richard Franklin que, ao lado de Brian Trenchard-Smith, moldou o que veio ser chamado de ozploitation. Ao contrário do que possa sugerir o título, este não é um filme de terror, é um sexploitation onde um professor narra seus estudos sobre as mais notórias fantasias sexuais femininas de forma bem parecida ao estilo de narração de Rocky Horror Picture Show misturada a Tudo que Você Sempre quis Saber sobre Sexo. Só para dar um indício das coisas, há presença de John Holmes (aquele mesmo que tinha o pinto menor que o do Milton Berle e do Forrest Tucker) e o filme foi gravado em Los Angeles, por isso conta com várias figurinhas do cinema erótico dos 70 como Uschi Digard, William Margold, Candy Samples, Maria Arnold, Roxanne Brewer, Serena e Rene Bond, esta última acabando por protagonizar o melhor segmento: o do negão boxer.
Mad Dog Morgan (Philippe Mora, 1976)Nem só de Ned Kelly vive o western australiano. Esqueça a qualidade do filme e se concentre em Dennis Hopper, só para ter uma idéia, os aborígenes que trabalharam no filme tinham medo porque acharam que ele era completamente louco, o que não é nenhuma mentira. Quem editou o filme deveria estar igualmente chapado, aliás, acho que todo mundo estava bêbado, na pré, durante e na pós produção. Por outro lado, o diretor de fotografia é o Mike Molloy, que aprendeu tudo que deveria quando passou uns tempos operando câmera para o Roeg em Performance e Walkabout e para o Kubrick em Laranja Mecânica e Barry Lyndon, mas isso também não o exime de ter estado bêbado, é claro.
Um Longo Fim de Semana (Long Weekend, Colin Eggleston, 1978) Picnic em Hanging Rock encontra Os Pássaros, parece bobo e clichê, mas não é, a complexidade vai muito além da vibe homem versus natureza. Além de manter o clima de horror intrincado, especialmente em virtude da trilha sonora, toda a simbologia é bem menos óbvia do que possa aparentar num primeiro momento, especialmente se levarmos em conta que certos animais nem deveriam estar alí e que o cineasta teve o trabalho de atravessar o oceano só para poder acrescentar 5 segundos de simbolismo extra ao filme.
Stunt Rock (Brian Trenchard-Smith, 1978)É humanamente impossível não gostar dos filmes do Trenchard-Smith dos anos 70, IMPOSSÍVEL. É tudo muito legal e faz você se deprimir por não estar num drive-in australiano no final dos anos 70 celebrando tal euforia com toda pompa que o filme merece. Alguma alma sábia já disse que Stunt Rock é uma mistura de Spinal Tap com Jackass e isso é a mais pura verdade. Isso mesmo, banda de rock misturada a dublê maluco australiano. O Grant Page era tão estrela que o Trenchard-Smith dava um jeito de colocá-lo como ator em todos os seus filmes além da função de dublê (tá bom, o Franklin também o transformou em psicopata-mor em Roadgames), mas aqui ele é o principal encarnando… ele próprio. Há a presença, mágica e trilha da banda Sorcery, há colagens com cenas do Page de outros filmes, além de muitas outras novas maluquices dele indo supostamente fazer um seriado em Los Angeles. Enfim, não tenho palavras para expressar o quão delicioso é esse filme.
Patrick (Richard Franklin, 1978)Tenho medo do Patrick, ele não faz “nada”, só gospe e tem ereções de vez em quando, mas tenho medo. Tá bom, ele pula feito uma rã quando morre, mas isso é absolutamente normal. A trilha fica por conta de Brian May, o compositor xodó de boa parte dessa geração de filmes e que foi criminosamente esquecido no documentário.
Um momento bacana relacionado ao documentário é a discussão de Tarantino com Uma Thurman durante as filmagens de Kill Bill, onde Uma teria reclamado de certos aspectos inverossímeis a respeito do coma de Miss Kiddo, quando Tarantino prontamente teria retrucado: “Não quero que pareça real, quero que pareça com Patrick, é cool!”
Ânsia (Thirst, Rod Hardy, 1979)Agora, esse sim é um filme danado de bom, excelente mesmo e que permite complexas e variadas leituras. Finalmente se rendendo ao filme de vampiro (mesmo que seja um singular no melhor estilo terror-psicológico-ficção-científica), o ozploitation nos entrega essa mistura de Soylent Green, Laranja Mecânica, Vampiros de Almas, A Máscara de Satã, O Bebê de Rosemary, Alice no País das Maravilhas e sabe-deus-mais-o-quê. Provavelmente saiu daqui a melhor trilha que o Brian May compôs.
Felicity (John D. Lamond, 1979)Sexploitation que acompanha o despertar sexual de uma jovenzinha que passou a vida inteira enfurnada num colégio de freiras. É muito melhor do que eu esperava, pensei que seria algo bem mais vazio, algum tipo de imitação medíocre de Emmanuele, mas há boas pinceladas, apesar de no terço final acabar virando uma daquelas breguices sem fim, especialmente por conta do uso excessivo da música tema, brrrrr.
Mad Max (George Miller, 1979)Não tem nem o que falar, esse é o epítome, colocou o cinema australiano em seu devido lugar. E mostrou ao mundo que o tio Mel era o mais gato dos gatos.
Harlequin (Simon Wincer, 1980)Êêê! Robert Powell! David Hemmings! Broderick Crawford! Só para provar que não só os italianos acolhiam atores lendários para estrelarem filmes B. Filme interessante ao se basear em pequenas intrigas políticas reminescentes das histórias sobre Rasputin e o desaparecimento do primeiro ministro australiano Harold Holt em fins dos anos 60, as circunstâncias de tal desaparecimento é um dos grandes mistérios da história australiana e até hoje é alvo de grandes teorias de conspiração, o que acaba sendo um prato cheio para o filme. E Robert Powell nunca esteve tão sexy, nem nos tempos de Jesus Cristo.
A Contaminação (The Chain Reaction, Ian Barry, 1980)Carros velozes! Steve Bisley! Hugh Keays-Byrne! Roger Ward! Mel Gibson! Tim Burns! George Miller! David Bracks! Não, isso não é um filme perdido da série Mad Max, mas não fica devendo nada em qualidade, especialmente quanto às cenas com os carros, mas aqui a natureza apocalíptica da coisa é nuclear. Esse é daquelas pérolas que o SBT adorava passar de madrugada e que faziam a nossa festa.
Enigma Na Estrada (Roadgames, Richard Franklin, 1981)Ah, mas a Jamie Lee não se aguentou, ela tinha que atravessar o oceano só para dar continuidade à sua trajetória irretocável de diva scream queen dos anos 70/80. Ainda sofrendo pela sua mãe ter sido morta num banheiro à beira de estrada, ela foi parar num ótimo road-movie versão Janela Indistreta, possivelmente o melhor filme que Richard Franklin cometeu, com direito a Jamie Lee sendo chamada de “Hitch” e a um desenvolvimento absolutamente brilhante ao trocar o apartamento de James Stewart pela boléia do caminhão de Stacy Keach. O homem foi tão feliz neste seu atentado que dois anos depois lá estava ele dirigindo Psicose 2.
Turkey Shoot (Brian Trenchard-Smith, 1982)Agora, isso sim é um exploitation de verdade! Peitos, cabeças explodindo, WIP-Ficção-científica de baixo orçamento! Lynda Stoner bancando a dominatrix, Olivia Hussey mais ingênua do que nunca, Carmen Duncan esbanjando piranhisse e Roger Ward sendo foda, muito foda. Se tem alguém que gostaria de ter num filme, certamente é Ward e não à toa foi um dos mais habitués nos filmes cults australianos dessa leva dos anos 70/80, boa parte deles já supracitados, ele é grande, careca, bigodudo e tem um facão, se eu tivesse um campo de concentração certamente o deixaria como responsável. Turkey Shoot tem a fama de ser um dos piores filmes australianos de todos os tempos, o que obviamente é uma bobagem, eu mesma assisti n filmes aussies bem piores do que este.
Mais Próximo do Terror (Next of Kin, Tony Williams, 1982) Outro exemplar sensacional do horror aussie, é Suspiria e O Iluminado fazendo escola. Há cenas verdadeiramente épicas em termos de excitamento e bom gosto que o colocam facilmente numa lista do melhor do slasher dos anos 80, além de contar com um jovem John Jarratt bem gatinho.
Bicicletas Voadoras (BMX Bandits, Brian Trenchard-Smith, 1983)Ah! Nicole Kidman com 16 anos estreando nas telonas num filme do Brian Trenchard-Smith? KKKKK Por que a Cate Blanchett não faz essas coisas? Mesmo em tempos pré-chapinha e nose-job Miss Kidman já tinha aquela sua postura de puro-sangue que tanto fez a sua fama, algumas pessoas já nascem com classe e não há quem tire isso delas. E não tem como não gostar do Trenchard-Smith, até nos enredos mais pé-no-saquinho e com umas piadinhas visuais porcamente juvenis dá para tirar algo de bom dessa mistura de Goonies com Caçadores de Emoção, que o diga aquela cena romântica dentro de uma cova e as corridas com aquele Ford preto.
O Corte da Navalha (Razorback, Russell Mulcahy, 1984)Esse é classicaço. Se havia alguma dúvida de que esse povo era doente, elas terminaram aqui, embora a doença galopante do Russell Mulcahy tenha ficado muito mais evidente no seu ainda mais clássico vídeo para Total Eclipse of the Heart. O filme já sai com a premissa fazendo referência àquela tia que dizia que um dingo havia matado o bebê dela e ninguém acreditava, trocaram um dingo pelo javali monstruoso e deu no que deu. Por outro lado, Razorback é gloriosamente bem fotografado, é um desbunde total, parece repassar toda a história da arte em uma hora e meia de filme, desdunde mesmo. E que porra de título nacional é esse, meu deus?
Grito de Horror 3 – A Nova Raça (Howling III: The Marsupials, Philippe Mora, 1987)CARALHO. Não gosto de usar o termo trash como definição de cinema, mas este merece o desígnio. Esse tal de Philippe Mora é um disparate, a franquia começada por Joe Dante já havia sido destruída por ele no segundo filme, uma produção anglo-americana protagonizada por Christopher Lee, mas agora voltando à Austrália o tio Mora conseguiu se superar. Como se não bastasse as freiras-canguru-lobo-whatever, Dame Edna Everage faz uma aparição surpresa.
Nota 1: Outras coisas bacanas podem ser encontradas no Mondo Stumpo, tal como entrevistas com Barry Crocker, Brian Trenchard-Smith e Richard Franklin
Nota 2: Isso tudo me fez lembrar do Yahoo Serious. Onde foi parar esse cara? Young Einstein é mítico.
Nota 3: Em breve haverá a segunda parte desse post com mais filmes citados no documentário.
Da lista só assisti a trilogia Mad Max (o segundo da série é o meu preferido e um dos que mais me marcaram na infância), mas tenho medo da Austrália desde que assisti aquele filme mais recente chamado Wolf Creek.
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Por alguma razão sempre gostei mais do primeiro Mad Max. Quanto ao Wolf Creek, Mclean é pai, ou melhor, é filho. O pior é que tenho uma amiga que morou na Austrália nos anos 90, mas isso foi depois da época dos acontecimentos que inspiraram o Wolf Creek, mesmo assim ela diz que a visão do deserto australiano é uma das coisas mais impressionantes pelo o que ela já passou.
É aquele lance do cinema australiano ser privilegiado em virtude da sua geografia (o outback é um convite para se filmar terror), coisa que aqui no Brasil podia-se fazer bom uso também, mas que excetuando a boa vontade de alguns poucos indivíduos, o espaço geográfico nacional é criminosamente mal aproveitado.
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Nossa, agora eu morri mesmo. Fodeu.
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Ah, vasculhando na net eu achei isso aqui: http://www.imdb.com/title/tt0457414/ :)
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Bacana, espero que esteja à altura dos envolvidos!
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“Rogue”, o segundo filme do Greg McLean é mais fraco que ”Wolf Creek”. Mas diverte e honra a tradição do ‘ozploitation’ mesmo assim..
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Também acho melhor o Creek, o Rogue é uma puta homenagem ao Dark Age…
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