Rosita (1923)

Rosita (Ernst Lubitsch Raoul Walsh, 1923)

“I parted company with him as soon as I could. I thought he was very unispired director. He as a director of doors. Everybody came in and out of doors… He’s a good man’s director – good for Jannings and people like that. But for me he was terrible. To tell the truth, I never saw his later pictures, because my miserable experience in Rosita. He was very self-assertive, but then all little men are…” – Mary Pickford esbanjando orgulhosamente toda sua sabedoria a respeito de Ernst Lubitsch.

Finalmente este maldito caiu nas minhas garras. Como se não bastassse ser o primeiro filme do Lubitsch nos EUA, porque a tia Pickford viu o trabalho dele na Alemanha e ficou enlouquecida, mandando buscá-lo imediatamente para tirar casquinha de seu talento, Rosita acopla a bizarra parceria de Raoul Walsh com Ernst Lubitsch. Bizarra no bom sentido, pois o “Walsh touch” é deveras distinto do aclamado toque de Lubitsch, da mesma forma que uma luta de boxe é distinta de um tapa com luva de pelica. Walsh serviu mais como uma muleta para o alemão recém chegado, ajudando com os possíveis entraves culturais, além de ter funcionado como rota de fuga para os desejos de Madame Pickford, ajeitando uma coisa aqui e alí durante a pós-produção devido aos atritos constantes do diretor alemão com a estrela produtora que sempre mandara nos seus próprios filmes e até então só trabalhara com diretores passivos.
Mas comecemos a saga de Lubitsch na América do princípio, em 1921 ele aportou nos EUA depois do convite de Mary Pickford para trabalhar na United Artists filmando Dorothy Vernon of Haddon Hall, um épico elizabetano, com a Primeira Guerra terminada há pouco, os alemães não eram muito bem recebidos não só em Hollywood, mas em toda extensão do país, assim Lubitsch começou a receber “recados” e ser alvo de comportamento bem pouco amistoso por parte de alguns americanos, fazendo com que tomasse um navio de volta para a Alemanha. Além dos entraves do pós-guerra, na época a UFA era a supremacia do cinema mundial, tudo que havia de melhor no cinema saía de lá, atores, técnicos e cineastas saíam de seus países de origem para aprenderem cinema com os alemães (que o diga Hitchcock), sendo assim, Hollywood e seu ego enorme já em tenra idade não via com bons olhos os germânicos adentrando seu território sagrado para tirar emprego dos “bons americanos” que sabiam do ofício tão bem quanto os chucrutes. Mary Pickford tanto insistiu que Lubitsch acabou retornando para os EUA, mas não mais queria filmar o tal do Dorothy Vernon, o que ele queria mesmo fazer era uma versão de Fausto sob o ponto de vista da Margarida, onde a angelical Pickford seria a própria, projeto que igualmente não vingou porque a mãe da atriz-produtora mais poderosa de sua época metia o bedelho em demasia na carreira da filha e sob hipótese alguma deixaria que se enveredasse num papel de mãe-solteira-assassina-de-bebês-às-voltas-com-o-demo.
Depois de muitos pés batendo no chão, chegou-se a um consenso: a adaptação do livro Don Cesar de Bazon, a história da cantora espanhola Rosita envolvida com um rei e um condenado à pena de morte. Mary Pickford era a maldita Regina Duarte do cinema mudo e a intenção era transformar Rosita na sua Viúva Porcina, apesar de na época ser casada com o “energético” Douglas Fairbanks, Pickford era vista como sexualmente sem sal (ao menos para os não-pedófilos), especialmente se comparada a outros ícones fatais da época como Theda Bara e logo mais Clara Bow, além da habitué lubitschiana Pola Negri que também migrara naquele mesmo ano para os EUA. Com uns bons anos de experiência nas costas, Rosita poderia ter sido uma extensão de grande superioridade da versão que Lubitsch fizera de Carmen em 1918 com Pola Negri no papel título, é claro que ninguém iria deixar Mary Pickford com o fogo nas ventas próprio de Negri, mesmo os filmes de Lubitsch com a mais bem comportada Ossi Oswalda eram selvagens perto da aura que a americana passava. Rosita foi mesmo um passo adiante na carreira de madame Pickford, coisa que ela jogou no lixo com a mania estapafúrdia de não deixar-se dominar por um cineasta, jogando sempre na cara de Lubitsch que o dinheiro era dela e que ele não poderia fazer absolutamente nada sem sua aprovação plena, esquecendo o fator número um de qualquer relacionamento, seja profissional ou pessoal: troca baseada em respeito mútuo. Pickford não conseguia entender que o Lubitsch da UFA era sensacional porque lá ele expressava a sua arte como queria e quem acabava lucrando mesmo com isso eram os atores, coisa que ela prontamente fez questão de desperdiçar.
Dona Mary não gostava da forma que Lubitsch filmava, chegando a renegar o filme em questão porque “Lubitsch não gostava de filmar atores, mas sim portas!”, mas há de se concordar que as portas de Lubitsch passaram mais emoção que 99% dos atores do mundo desde então, se bem que sempre achei que seu forte eram as janelas. Esse despeito veio à tona apenas depois da estréia extensiva do filme pelos EUA, enquanto Rosita foi bem recebido nos grandes centros urbanos clamando um tipo de sofisticação que sempre faltara nos filmes anteriores de Pickford, nas pequenas cidades interioranas a insatisfação foi geral para com a mudança de estilo da namoradinha da América, ou seja, Pickford ganhou um novo público mais sofisticado, mas caiu em desgraça com os antigos fãs do povão.
Essa experiência foi tão estressante para o tio Ernst que imediatamente quis voltar para a Alemanha, mas felizmente não o fez, porque poucos anos depois ele teria que retornar com o rabo entre as pernas vocês-sabem-porque-e-por-causa-de-quem. Ao ser convidado a dirigir The Marriage Circle (1924) para a Warner as coisas entraram nos eixos, Lubitsch entrou definitivamente na gloriosa segunda fase de sua carreira, ficou feliz, nós ficamos felizes, o mundo ficou mais bonito e brilhante por conta disso.

Nota: Aparentemente Ramon Novarro deveria interpretar o amante condenado à morte, mas foi batido pelo irmão caçula de Raoul, George Walsh. Sorte de Novarro que trabalharia mais tarde com Lubitsch em situação muito mais auspiciosa, no caso, o mais belo papel de sua carreira: O Príncipe Estudante (The Student Prince in Old Heidelberg, 1927), ao lado de Norma Shearer – a substituta de Pickford como “namoradinha da américa”. Ah, ele também deu um chute na bunda do George, ganhando o papel de Ben-Hur que seria interpretado pelo caçula da família Walsh.

Publicado por Adriana Scarpin

Bibliófila, ailurófila, cinéfila e anarcafeminista. Really. Podem me encontrar também aqui: https://linktr.ee/adrianascarpin

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