Aria (1987)

Nicolas Roeg – Un Ballo in Maschera (Giuseppe Verdi) Devo julgar que este segmento é verdadeiramente uma pequena obra prima. Roeg leva às últimas consequências o conceito de Baile de Máscaras, onde as personas se mesclam, sejam no âmbito social quanto no sexual, mulheres em papéis de homens, mulheres em papéis de mulheres, homens em papéis de homens e homens em papéis de mulheres. Cá entre nós, o homem sabia o que fazer com sua então esposa Theresa Russell – ela nunca foi tão bem aproveitada.

Charles Sturridge – La Forza del destino (Giuseppe Verdi) Charles Sturridge me era um cineasta desconhecido, aparentemente o filho dele é um ídolo adolescente, mas igualmente desconhecido por mim – o que prova a minha atitude relapsa em estudar a cultura pop com afinco. Bom, o episódio não me impressionou, por isso estou enchendo linguiça com bobagens, este segmento me lembrou o video Like a Prayer da Madonna que enquanto videoclipe é um puta trabalho da Mary Lambert, mas algo do gênero ficou meio indisgesto dentro de uma proposta como o de Aria. Talvez a tão afamada maldição que acompanha as montagens desta ópera tenha caído também em sua versão fílmica.

Jean-Luc Godard – Armide (Jean-Baptiste Lully) A genialidade volta ao seu lugar de direito, segmento ligado claramente ao conto de que a ópera é baseada, mas transposto para o universo beefcake dos halterofilistas, a outrora feiticeira vingativa pelo desprezo do amado se transforma na fêmea contemporânea mais uma vez desprezada pelo culto do eu no objeto masculino desejado. Godard também se reserva o direito de fazer homenagens descaradas a Howard Hawks.

Julien Temple – Rigoletto (Giuseppe Verdi) Este é o meu favorito. É o primeiro cômico baseado numa ópera dramática e único que faz uso de diálogos, penso se O Barbeiro de Sevilha não seria mais o tom imposto por Temple, mas a sua escolha dos acontecimentos no primeiro ato do Rigoletto não deixa nada a dever na transposição de adultério para os tempos do ecstasy. O uso de travelling é preciso e aquele Elvis dublando La Donna è Mobile não tem preço. Delicioso.

Bruce Beresford – Die tote Stadt (Erich Wolfgang Korngold)Conto de amor perdurável e Beresford conta isso através do desgaste na arquitetura da cidade de Bruges. O peculiar aqui é a escolha de Korngold que, embora seja um dos mais entusiasmantes compositores do século XX, acabou mesmo sendo mais conhecido como compositor de cinema.

Robert Altman – Les Boréades (Jean-Philippe Rameau) O conceito é interessante: o quanto era chic no século XVIII fazer com que os internos do manicômio assistissem óperas, mas o segmento é só isso, não há nada além de uma platéia pouco usual assistindo a uma montagem comum de Rameau, o que se pode tirar dalí é a platéia se transformando em palco e o palco se transformando em platéia – talvez um prenúncio dos reality shows, quando os loucos serão a diversão.

Franc Roddam – Tristant und Isolde (Richard Wagner) Tristão e Isolda em Las Vegas, um daqueles encontros viscerais entre Eros e Tânatos, algo em que na maioria das grandes histórias de amor parece indissociável. Bridget Fonda no auge de seus 22 aninhos mostra que os genes da família Fonda não possuem limite de qualidade.

Ken Russell – Turandot (Giacomo Puccini)Russell parecia fazer uma montagem do trecho da ária em questão (a presença do rei persa?), para logo mais percebermos o mesmo tipo de adaptação espaço-temporal presente nos demais episódios, mas naqueles surtos visuais tão seus que acabam transformando este segmento no mais singular de todos, com direito a brechas para babar em homenagens por Fritz Lang e por Powell & Pressburger.

Derek Jarman – Louise (Gustave Charpentier)Jarman está em casa com esse tipo de proposta artística e isso não se deve apenas ao fato dele ter sido o pupilo direto de Ken Russell, mas sobretudo por seu trabalho ter sido intrinsecamente ligado a peças musicais dos mais distintos tipos de manifestações. É um segmento que trata sobre juventude e velhice, muito lembra os curtas experimentais de Jarman nos anos 70 e como sempre tem sua tão querida Tilda Swinton a tira colo.

Bill Bryden – Pagliacci (Ruggero Leoncavallo)Quem liga todos os episódios é John Hurt, uma espécie de espírito teatral onipresente, mas que com o passar dos segmentos vemos ele se transformando num triste palhaço que virá a ser o protagonista do último episódio, o notório Pagliacci. Bryden é outro de que não tinha conhecimento antes de Aria, aparentemente ele não é do cinema, mas um respeitado diretor teatral, portanto ele está no lugar certo com o seu Pagliacci.

Nota: Tanto Fellini quanto Woody Allen foram convidados a fazerem parte deste portmanteau, mas não foi possível por falta de tempo, ambos estavam ocupados com outros projetos. Uma pena.

Publicado por Adriana Scarpin

Bibliófila, ailurófila, cinéfila e anarcafeminista. Really. Podem me encontrar também aqui: https://linktr.ee/adrianascarpin

2 comentários em “Aria (1987)

    1. Colocar o Allen seria uma sacada sensacional, logo ele que privilegia tanto as palavras, mesmo nos filmes mais bergnianos dele a verborragia corre solta, colocá-lo fazendo um curta silencioso de 5 a 15 minutos provavelmente seria algo espantoso, mas dá até para imaginá-lo lidando com uma ópera-jazz do Gershwin, afinal faltou Porgy and Bess nessa seleção!

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