(ou de como saiu um poster decente)

Poster brilhante de forma unilateral. Unilateral porque Spielrein foi apropriada por Freud na questão da pulsão de morte e por Jung na questão anima/animus. Mas na questão reversa, Spielrein se apropriou muito mais de Jung, o problema no poster é que os dois merdinhas estão equivalentes no ato de apropriação, mesmo que a apropriação do Jung esteja levemente mais acentuada do que a de Freud. Ou seja, esse poster está falando que o maldito padeiro da esquina que te fornece pão toda manhã tem função equivalente ao seu cônjuge que te fornece “um pouco mais” do que isso.
Sabe o que seria perfeito, mas incrivelmente desagradável de se olhar? Jung e Spielrein sobrepostos no centro, Freud entranhado no lado esquerdo (lógica/superego) de ambos e Gross entranhado no lado direito (emoção/id). É assim que as coisas são, é assim que a vida é, com o passar dos anos os elementos vão sendo substituídos, mas a equação é sempre a mesma.

Fato 1: Cronenberg deveria aproveitar a disponibilidade do Cassel e fazer um filme sobre o Otto Gross. Por que diabos ninguém nunca fez um filme sobre o Gross ou sobre o Reich? Se fizeram, não tenho conhecimento disso (bom, do Reich existe um video da peça Wilhelm Reich in Hell – titulozinho redundante), mas puta que pariu, Otto Gross é uma das pessoas mais terrivelmente interessantes de todo o século XX. A verdade é que o Ken Russell deveria ter filmado sobre Otto Gross nos anos 70, ele iria colocar todo mundo num bacanal sem fim, incluindo Freud, Jung, Adler, Spielrein, Fliess, Rank, James, Ferenczi e asseclas. Posso até ver a horripilante cena do Freud de quatro para um Jung vestido com uniforme nazista. Ó céus, como amo Ken Russell.

Fato 2: Aronofsky, seu merda! Pára de complicar as coisas, dá o Leão pra Shame e o prêmio de ator pra Dangerous Method já que não se pode premiar ambos de um mesmo filme, assim todo mundo fica feliz e sai com seus prêmios. É, o palhaço do Aronofsky saiu reclamando disso por aí, que ambos prêmios deveriam ir pro Shame, mas era proibido. Agora… sexo melancólico sem amor em planos-sequência com The Fass nu ao som de Johann Sebastian Bach por Glenn Gould é melhor que o furor repressivo cheio de amor mas igualmente melancólico de Carl Jung? Mmmm. Mmmm. Posso responder depois que ver os filmes? Obrigada.

Nota: Sério que fiz esse post inútil? Sério mesmo? Hahaha Sério que estou analisando um poster e tentando estruturá-lo corretamente? Que bosta. Voltem para as profundezas, encostos do inferno, enfim, cada um tem o exu que merece.

Publicado por Adriana Scarpin

Bibliófila, ailurófila, cinéfila e anarcafeminista. Really. Podem me encontrar também aqui: https://linktr.ee/adrianascarpin

7 comentários em “(ou de como saiu um poster decente)

  1. O Makavejev tem um filme sobre o Reich: W.R.: Mysteries of the Organism.

    Eu acho que o Cronenberg fala demais do Freud em entrevistas e comentários. Não sei se interessa mais a ele (como figura histórica, talvez), se ele só conheceu essa linha mais a fundo ou algo assim. O Kubrick também falava bastante – mais do que do Jung, por exemplo, que é óbvio que ele também conhecia. O fato é que é um nome mais estabelecido no imaginário popular, pro bem e pro mal.

    Falando nisso, você viu o documentário da BBC, The Century of the Self?

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    1. Puta, é verdade!!! Eu tenho esse filme em DVD em algum lugar, mas não vi ainda! Mas ele é meio documental, não? Eu queria algo mais ficcional. Tem um documentário sobre o Reich que é bacaninha, o Quem Tem Medo de Wilhelm Reich? Acho que a coisa mais poeticamente ficcional que vi foi aquele videoclip da Kate Bush onde o Donald Sutherland interpreta o Reich… Não por acaso a Bush está a cara da Pamela Brown em Tales of Hoffmann. Agora, Otto Gross está em falta mesmo.

      Lembro no livro do John Kerr ele dizendo que se fosse pra escolher um protagonista pro desenvolvimento da psicanálise, este seria o Jung, porque foi ele que fez as coisas andarem, se moverem, a intenção alí é que se Jung não tivesse acreditado e dado atenção ao Freud, este teria se tornado mais um pensador obscuro que seria ou não descoberto posteriormente. Não à toa, Jung no círculo de Viena era conhecido como Siegfried, o filho de Sigmund – Siegfried é o protagonista, não é? Mas não dá nada se o filme do Cronenberg pender para freudianismos, nessa época o Jung também era freudiano, felizmente isso foi remediado em pouco tempo, se não nunca poderia fazer terapia na minha vida e iria morrer LOUCA. hehehe

      Não, não vi The Century of the Self, mas é logico que preciso.

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  2. Também não vi o W.R., mas acho que mistura documentário com outras partes mais loucas.

    Eu vi um cara falando algo interessante uma vez, sobre alguns nomes que entraram com tudo no imaginário popular, a ponto de serem colocados lá em cima e muitas vezes dogmatizados. Ele cita o Freud e o Foucault, e como é curioso que as pessoas tenham tomado um neurótico severo como exemplo de alguém que entendeu e descreveu a saúde mental, e um fascinado por sadomasoquismo como exemplo de alguém que entendeu e descreveu os mecanismos de poder. No fim das contas, os dois retornam na mesma mentalidade e cultura que pensavam criticar e rever. O Freud é o Moisés da psicologia, e o Foucault uma presença dominante em universidades. Seria irônico se não fosse meio óbvio.

    Lembro que o Jung chama o Freud de “profeta negativo”, e diz que é necessário que alguém faça esse trabalho. Mas obviamente ele não achava que isso deveria predominar, e talvez esse seja o problema – tomar o negativo como totalidade, afundar no niilismo e deixar de lado qualquer responsabilidade.

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    1. Fato: Freud não entendia lhufas sobre o universo feminino e ninguém assim poderia ser tomado como exemplo de nada.
      Do Foucault não sei, ele curtia as vias de fato do sadomasoquismo ou só era fascinado na teoria? Porque existe uma enorme diferença entre o ser fascinado por um universo incompreensível para o indíviduo e este o querer entender justamente por não ter nada a ver com ele e o ser fascinado por realmente se identificar com isso.

      Por falar em sadomasoquismo lembrei de um comentário num site americano sobre cinema outro dia sobre as cenas de espancamento de A Dangerous Method e o quanto meus dentes rangeram em agonia por ter lido do cara que “era pouco provável que Jung e Spielrein estavam nessa de S&M” É claro que o Jung nunca espancou a Spielrein, for christ sake! Isso é simbólico! (embora ela realmente se excitasse quando o pai lhe batia) Fico pensando se as cinebios de hoje em dia estão naturalmente uma merda porque o público fica nessas de “mas isso não aconteceu!” – na verdade o cinema como um todo está uma merda por conta disso, todo mundo é muito literal, a galera tem que reaprender a ler.

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  3. *obcecado por sadomasoquismo

    Tem uma discussão do Foucault com o Chomsky que eu acho um bom exemplo disso. Acho que tem no Google Videos.

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  4. Também não sei a história do Foucault, mas o cara falou como se ele realmente curtisse a coisa, não só como interesse teórico.

    Acho que é do cinema como um todo isso aí também. Parecem dois pólos: um fica revendo e reprocessando sem parar, por ver nisso a única possibilidade; outro que tenta buscar refúgio nos FATOS, e aí é a idolatria do que o Herzog chama de “a verdade dos contadores”. Os dois casos partem da mesma coisa – tudo já foi feito, imaginação já era ou não importa mais. O que me lembra isso aqui:

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    1. É aí que a gente chega no ponto, tem que saber a ler as pessoas! Saber ler os cineastas, os escritores, os músicos, cada qual com suas influências e respectivos tipos de personalidade! Quem em sã consciência diria que o Cronenberg deve ser lido ao pé da letra?
      Quem em sã consciência entraria aqui neste blog cheio de Ken Russell e Michael Powell e levaria ao pé da letra os comentários que faço (mesmo que eventualmente sejam fatos)? É por aí, a primeira coisa que devemos nos perguntar sobre um cineasta, escritor, pintor ou músico é: ele se foca no sujeito ou no objeto? Se é fato ou não, é completamente irrelevante. Assim como haverá leitores distintos (ó o encosto baixando de novo, rá!).

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