Musa de Kenji Mizoguchi por cinco filmes na última fase do diretor e de quebra ainda trabalhou com Ozu, Kurosawa e Naruse, Kogure pode não ser uma lenda no ocidente, mas também não pode passar desapercebida. Ser com Ozu e Kurosawa mostrou toda sua acidez, enquanto Naruse a mostrou como uma espécie de Capitu japonesa, com Mizoguchi recai toda sua delicadeza e espírito sofredor, em cada papel está irreconhecível, um dom que perpassa todos os grandes atores japoneses.
Top, então:
1- Rua da Vergonha (Akasen chitai, Kenji Mizoguchi, 1956): Com Mizoguchi é uma porrada atrás da outra e aqui em seu último filme não é diferente, mais uma vez retratando mulheres envolvidas numa teia de sofrimento erigida sob a égide do patriarcado japonês é mais um filme de dilacerar o coração vindo do diretor e realmente muito crítico da condição social e psicológica que a prostituição traz à essas mulheres. Mais uma obra prima de Kenji se é que dá para chamar algum filme dele de não-obra-prima.
2- O Retrato da Senhora Yuki (Yuki fujin ezu, Kenji Mizoguchi, 1950): Normalmente as personagens trágicas que Mizoguchi dá a Michiyo Kogure nos despertam grande piedade e tristeza, mas essa é diferente despertando-nos grande raiva, não da personagem mas da teia de relacionamento abusivo que está envolta.
O espectador se sente como os empregados de Yuki que não conseguem suportar a patroa nessa situação, o que me remete a minha experiência de trabalhar como psicóloga numa Delegacia de Defesa da Mulher, trabalho este que me exauria deveras porque mulheres em relacionamentos abusivos precisam muito mais do que apoio externo e sim toda uma reeducação interna para se libertarem.
Tal como acontecia nas minhas sessões na DDM, passei grande parte do filme querendo cortar o pinto daquele marido filho da puta, coisa que geralmente o Mizoguchi não desperta, já que seus personagens masculinos, embora fracos ou escrotos, não clamam por sentimentos mais fortes de nossa parte além do desprezo.
3- Os Músicos de Gion (Gion bayashi, Kenji Mizoguchi, 1953): Prepare o lencinho se você quiser assistir a esse filme, aqui mais uma vez Mizoguchi se embrenha na realidade das mulheres vítimas do patriarcado, mais especificamente na realidade nada glamourosa das gueishas. Esse é o primeiro filme da trilogia das geishas que o diretor fez nos anos 50 e a sua dura realidade vai se agravando conforme avança a trilogia, o que não faz de Gion Bayashi menos dilacerador de corações.
4- O Sabor do Chá Verde Sobre o Arroz (Ochazuke no aji, Yasujiro Ozu, 1952): Quando Godard clama que prefere a histoiricidade do cinema ao invés de uma filosofia argumentativa como a que Foucault faz para analisar o contexto histórico das coisas é em Ozu que mais penso.
Ozu é tão perspicaz na sua análise da sociedade japonesa de meados do século XX que duvido encortrarmos um historiador melhor nesse sentido, os filmes dele parecem tão simples mas ao mesmo tempo é tão rico em significados e este não é diferente e nos últimos vinte minutos residem uma das mais belas sequencias da história do cinema que só confirmam a maestria de Ozu.
5- O Anjo Embriagado (Yoidore tenshi, Akira Kurosawa, 1948): Quando Kurosawa fez seu centenário em 2010 passei por um binge da obra do cineasta,mas por alguma razão de que não me lembro, não assisti a esse filme. Tal fato por si já é um pecado porque não é apenas o início da parceria com Mifune (o Shimura já havia trabalhado várias vezes com Akira), como bem um dos seus filmes que desfilam mais dos histéricos que Kurosawa tanto gostava, aqui delineados pela peculiar relação médico-paciente que Shimura e Mifune representam e da qual damos boas risadas apensar da questão trágica da coisa.
6- O Samurai Dominante 2: Morte no templo Ichijoji (Zoku Miyamoto Musashi: Ichijôji no kettô, Hiroshi Inagaki, 1955): O único problema desse filme é essa penca de mulher rastejando atrás do Musashi, tudo bem que o Mifune é muito gato, mas isso é irritante, no mais é um belo capítulo da trilogia Musashi.
7- Kenji Mizoguchi: A Vida de um Diretor de Cinema (Aru Eiga-Kantoku No Shogai, Kaneto Shindo, 1975): Documentário que contempla com maestria a carreira e a vida pessoal de Mizoguchi, não dá para ser mais interessante que isso, são duas horas e meia que você nem vê passar de puro deleite.
8- A Nova Saga do Clã Taira (Shin Heike monogatari, Kenji Mizoguchi, 1955): É muito estranho ver um Mizoguchi colorido, mas não menos deslumbrante, especialmente porque ele transforma uma história épica num drama intimista. A Kogure está diferente do usual em que aparece em outros filmes de Mizoguchi, aqui a cortesã que interpreta é ácida, longe das mulheres sofredoras que interpreta para o diretor.
9- Okuni to Gohei (Mikio Naruse, 1952): Apesar de ser uma história interessantíssima e cujo final me deu ares de Dom Casmurro – o que pode explicar sua origem literária em Tanizaki , é um Naruse menor, o que não quer dizer que não seja um grande filme.