A um Gato – Jorge Luis Borges

Os espelhos não são mais silenciosos,
nem mais furtiva a alva aventureira;
sob a lua, tu és essa pantera
que de longe avistamos, cautelosos.
Por obra indecifrável de um decreto
divinal, procuramos-te vãmente;
mais remoto que o Ganges e o poente,
são teus a solidão e o mais secreto.
Teu lombo condescende com a amorosa
carícia desta mão, já admitido
tens desde a eternidade que é olvido
todo o amor da mão tão receosa.
Em outro tempo estás. És tu o dono
de um âmbito fechado como um sonho.

Funes, o Memorioso

Recordo-o (não tenho o direito de pronunciar esse verbo sagrado, apenas um homem na terra teve o direito e tal homem está morto) com uma obscura passiflórea na mão, vendo-a como ninguém jamais a vira, ainda que a contemplasse do crepúsculo do dia até o da noite, uma vida inteira. Recordo-o, o rosto taciturno eContinuar lendo “Funes, o Memorioso”

Veinticinco de Agosto,1983

Vi no relógio da pequena estação que já passava das onze horas da noite. Fui andando até ao hotel. Senti, como outras vezes, a resigna­ção e o alívio que nos infundem os lugares familiares. O amplo portão estava aberto; o jardim, às escuras. Entrei no vestíbulo, cujos espelhos pálidos refletiam as plantas do salão. Curiosamente,Continuar lendo “Veinticinco de Agosto,1983”