Brincadeira de Criança (Child’s Play, 1972)

0111146 1020 JPGEita filme estranho este Lumet pré-obras primas (diga-se Dog Day Afternoon e Network, não que ele já não tivesse feito pelo menos meia dúzia de obras mestras, mas esses dois são o cume), remete algo que se assemelha a seu Equus, não apenas por serem versões de peças sobre assuntos naturalmente já estranhos e psicologicamente bizarros, mas toda a progressão do que é narrado caminhando para um tipo de tensão inexplicável e sufocante que gera um mal estar sincero em quem o assiste.
É complexo em todas os seus pormenores, em todas as suas pequena mesclas entre a religião, a sexualidade, a paranóia, o ódio, o satanismo e sabe lá o que mais deixei passar nessa miscelânia quase atômica de desejos, maldade e rancor.
O que move este filme é mesmo James Mason, o grau de imersão em rancor do personagem de James Mason é tão exasperador que o filme se torna quase intragável de ser assistido tal qual a transformação do ambiente em que sua personagem transita, a ponto de ocorrer a sugestão que toda aquela maldade está saindo das mãos do Senhor das Trevas em pessoa. Não duvido que existam pessoas tão corroídas pelo ódio que não consigam enxergar um palmo à frente de sua suas próprias considerações, mas o que acontece às personagens desse filme é justamente a falta de qualquer traço de maniqueísmo, ninguém é bom ou mau, a descrição seria mais apropriada entre o dualismo de ingênuos e filhos da puta completos.
Mas o que sobra em sugestão na interpretação do professor “mau” falta na interpretação de Robert Preston do professor “bonzinho”, originalmente Marlon Brando interpretaria o “bonzinho”, o que poderia deixar mais claro uma possível sugestão sexual por parte do professor e seus alunos, mas dizem as más línguas que Brando deixou o filme porque Mason tinha um papel amplamente superior e resolveu ir interpretar um italiano em um filme qualquer sobre a máfia.
Não é um filme ruim como o vi pintado, só é sufocante demais para você cogitar deixar de vê-lo antes do fim. Assim como fora Equus, só que este com um pouco mais de habilidade narrativa.

Nota: Fatalmente caí num território estranhamente familiar, um certo padrão de comportamento por parte de professores de latim, algo bizarramente estereotipado à primeira vista mas que se converte em realidade inata com as impressões não apenas pessoais da minha experiência sobre o fato dos mais sádicos professores que tive darem aula de latim, terem sido seminaristas e de passarem uma impressão que estão alí para acabarem com a sua vida e não para ensinar, mas de constatações de outros professores meus que também estiveram sob o jugo dos nobres magistrae atentando para tal padrão de sadismo. Nunca tive um professor de latim que tenha seguido os métodos “normais” de ensino fora do seminário católico, por isso não posso dizer se isso tem algum tipo de influência nessa inerente tendência à intolerância por parte dos magistrae.
Mas cá entre nós, tive alguns amigos seminaristas e lembro-me de uma história bizarra de um deles correndo atrás de outro com uma faca pelos corredores do Seminário, nenhum deles se tornou realmente padre, a maioria dos que conheci vinham de famílias bem pobres e se tornaram seminaristas para poder ter um bom estudo, casa e comida, mas esse episódio da faca mostra como o clima é realmente tenso dentro de um Seminário.

Publicado por Adriana Scarpin

Bibliófila, ailurófila, cinéfila e anarcafeminista. Really. Podem me encontrar também aqui: https://linktr.ee/adrianascarpin

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